Foto : Fachada do restaurante Jesuíno Brilhante - Comida caseira do sertão
Antes de abrir o restaurante Jesuíno Brilhante, o
jornalista Rodrigo Levino pesquisou, testou receitas e, em busca de
ingredientes da sua terra, o Rio Grande do Norte, chegou a rodar num só
dia 97 km dentro de São Paulo. Conseguiu, assim, descobrir onde
encontrar farinha de mandioca igualzinha à que comia lá, feijão de
corda, manteiga de garrafa, nata, queijo coalho.
Mas faltava um (grande) detalhe – a carne de sol – e teve de importar
o próprio pai, João Batista Rodrigues. Ou melhor, a mão dele, leve, que
sabe a medida do sal para curar a carne por pelo menos 12 horas. “É
tudo no olho. Se o clima está frio, demora mais para curar”, diz seu
Batista, na paz da sua cadeira de balanço que veio de Caicó, interior do
Rio Grande do Norte, onde a família morou vários anos.
Caicó é a capital potiguar da carne de sol assim como Picuí
ostenta o mesmo título na Paraíba, e as duas cidades rivalizam pelo
“título nacional”. Pois foi numa churrascaria em Caicó que seu Batista
começou a adestrar a mão, fazendo a própria carne de sol, de tão
aperreado com a quantidade de sal que os açougues usavam para curá-la.
Ele era o único a salgar cortes variados – picanha, alcatra,
maminha – e fazia 250kg por semana. Uma tonelada por mês. Agora, para as
três receitas de carne de sol do Jesuíno Brilhante – e na casa só há
mais um tipo de carne – ele salga 50kg por semana, sempre no fim da
tarde. Depois de porcionadas e salgadas, as peças descansam em
temperatura ambiente e, no dia seguinte, são embrulhadas em plástico e
vão para o congelador por pelo menos dois dias. Ali dentro, readquirem
líquido e, por isso, no prato ainda estão suculentas.
Foto : João Batista Rodrigues, veio de Caicó, capital potiguar da carne de sol, para ajudar ao filho no restaurante
Rodrigo, que aprendeu as receitas com a mãe, Miriam, e responde pela
cozinha do Jesuíno Brilhante, prepara a carne de sol na chapa (R$ 25), a paçoca de
carne de sol (R$ 20, com manteiga de garrafa e farinha de mandioca) e a
carne desfiada na nata (R$ 22).
Para acompanhar os pratos, o cliente escolhe dois
acompanhamentos, como cuscuz nordestino, farofa, feijão de corda,
mandioca cozida e arroz vermelho de leite com queijo coalho, também
feito com nata (ah, não deixe de provar o bolinho desse arroz de leite
frito). Mas por que tanta nata?
Rodrigo explica que essa é a comida das famílias (como a sua
própria) que vivem da agricultura de subsistência no sertão potiguar –
criam vacas e bois, comem a carne e aproveitam o leite excedente para
fazer queijos e nata (e lá vão os queijos e a nata em vários preparos);
na terra árida não crescem muitos vegetais, mas sobem arroz, mandioca e
milho.
Foto : Decoração do Restaurante
Foto : Serra de Patu - RN
Na fazenda onde viveu por 13 anos, próxima a Patu (RN), João Batista
Rodrigues acordava às 5h. À mesa, enorme, todos se sentavam juntos, umas
30 pessoas, para o café. Com carne de bode, cuscuz, queijo de coalho.
Dali se ia para a lida, debaixo do sol escaldante, até a hora do almoço.
Foi a memória que tinha das manhãs de lá que despertou no filho de
Batista, Rodrigo Levino, do Jesuíno Brilhante, a vontade de trazer um
café da manhã sertanejo para o restaurante, um domingo ao mês —o
primeiro, neste dia 19, ocorre das 9h30 às 13h. As receitas (veja abaixo
o que é cada coisa) e o jeito de servi-las.
Foi nessas terras secas onde fez fama o cangaceiro Jesuíno
Brilhante, nascido na terra natal da família de Rodrigo, a cidade de
Patu. Daí a homenagem ao bandoleiro no restaurante informal e pequenino
(de apenas 20 lugares), que tem uma vendinha de produtos típicos do Rio
Grande do Norte e no próximo mês vai abrir também para o lanche da
tarde.
Além do sanduíche de carne de sol na nata no pão francês (R$ 12), já
servido hoje no almoço, ele servirá tapiocas recheadas (com carne de sol
na nata, queijo coalho ou queijo manteiga - o “requeijão baiano”,
espécie de queijo minas padrão um pouco mais mole e mais salgado), bolo
de macaxeira, bolo de grude (feito com polvilho doce), bolo da moça
(bolo cremoso de leite) e café coado.
Ah, de sobremesa, não deixe de provar a burra preta com nata,
café e melaço de cana (R$ 8) - burra preta é o apelido que seu Batista
deu décadas atrás para a sorda, um pão feito de melaço de cana, à
semelhança do pão de mel. Se você tiver sorte, vai encontrá-la para
comprar na vendinha do local (R$ 10, o pacote).
Sal, sol e vento
As carnes secas, preparadas de diferentes maneiras pelo mundo,
nasceram da necessidade de se preservar o produto e poder transportá-lo
mais facilmente – como, no Brasil, nas viagens dos tropeiros e
cangaceiros. Com a ajuda do vento, do sol e/ou do sal, a carne perde
líquido e, já que os microorganismos precisam de água para proliferar, o
crescimento bacteriano é barrado, como explica Harold McGee.
A carne de sol tem esse nome porque nasceu sendo seca ao sol e
ao vento com a ajuda também do sal. Hoje, não necessariamente fica ao
sol. O que mais a distingue da carne-seca (ou jabá) e do charque sulista
é a quantidade menor de sal que leva.
Seu João Batista sabe a medida do sal para curar a carne por pelo
menos 12 horas. É tudo no olho. Se o clima está frio, demora mais para
curar .
O tempo de cura varia. Segundo seu João Batista, para fazer a
carne de sol hoje muitos açougues do Nordeste deixam a carne salgar
desde a madrugada, quando o boi é abatido, até a hora de ir para o
balcão, pela manhã – menos de oito horas. Já a dele fica na salga por
pelo menos 12 horas.
SERVIÇO
Jesuíno BrilhanteR. Arruda Alvim, 180, Pinheiros - SP, 2649-3612
Horário de funcionamento: 12h/15h (fecha dom.)
Fonte : O Estadão
Complemento e Ilustração : Fany Carlos
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