Ilustração: Gerson Nascimento
O ano era 2013. O município de São Paulo, na época comandado pelo
hoje candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad, tinha uma dívida
junto ao governo federal de R$ 53,2 bilhões – 13% de sua receita líquida
ia para pagar dívidas com a União, que, na época, era também comandada
pelo PT, da então presidente Dilma Rousseff. A solução óbvia era
renegociar a dívida com seu principal credor, o governo federal.
Entretanto, o caminho utilizado por Fernando Haddad foi uma parceria com
o então deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ), hoje detido em
Curitiba, e o empreiteiro Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, também
preso. É o que indicam investigações da Polícia Federal (PF) e do
Ministério Público Federal (MPF) obtidas pela reportagem de ISTOÉ. Para o
MPF, a triangulação revelaria a confluência de interesses entre o então
prefeito petista, o então deputado corrupto e o empreiteiro corruptor,
sempre girando em torno do pagamento de propinas.
Àquela altura, Haddad estava pressionado com os diversos protestos
populares fruto dos aumentos nas passagens de ônibus. Precisando de uma
solução que lhe garantisse mais recursos, o petista atuou ao lado de
Cunha para a aprovação da matéria. Ao mesmo tempo, de acordo com a
investigação, integrantes do seu governo tiveram encontros com membros
da OAS durante a tramitação do Projeto de Lei. Emails em poder da PF,
demonstram constante troca de mensagens entre Cunha, Leo Pinheiro e
Haddad sobre o andamento do projeto. O Ministério Público Federal
acredita que Cunha recebeu propina da OAS para favorecer Haddad.
As informações que ligam Haddad, Pinheiro e Cunha constam do
inquérito da Operação Manus, que investigou superfaturamento na
construção do estádio Arena das Dunas, em Natal (RN), caso que levou à
prisão o ex-deputado Henrique Eduardo Alves (RN). Além do caso
específico do estádio potiguar, o inquérito concentrou outros indícios
da relação de Cunha com a OAS. As peças juntadas no inquérito ligam os
interesses dos três envolvidos na triangulação.
Em 2012,
durante a campanha eleitoral, Haddad recebeu doações da ordem de R$ 850
mil da empresa de Léo Pinheiro. À época, a OAS mantinha seis contratos
com a prefeitura paulistana, e as
dificuldades de recursos da
administração municipal, na avaliação do MP, certamente refletiriam na
possibilidade de tais contratos serem honrados. Somados, os contratos
tinham valor global de R$ 1,4 bilhão. No relatório da Operação Manus, o
MPF é explícito: Cunha “atuou em favor dos interesses da OAS
relacionados à rolagem da dívida pública do Município de São Paulo, na
gestão do prefeito Haddad”. Pela denúncia, Cunha trocou mensagens entre
junho e outubro de 2013 com “Léo Pinheiro” justamente falando sobre essa
matéria.
“Cunha atuou em favor dos interesses da OAS relacionados à rolagem da dívida de São Paulo na gestão de Haddad”, diz PF
O governo federal apresentou o Projeto de Lei Complementar 238/2013,
que teve como relator o então líder do MDB na Câmara, Eduardo Cunha, no
início de 2013. A matéria tratava basicamente da rolagem da dívida da
prefeitura de São Paulo e de outras aproximadamente 200 cidades
brasileiras. O PLC também mudava os critérios de indexação dos contratos
de refinanciamento das dívidas de estados e municípios com a União. Um
detalhe que chamou a atenção nas investigações do MPF sobre o tema é
que, nas trocas de mensagens deste período, existem indícios de que o
ex-secretário municipal de Negócios Jurídicos Luis Fernando Massonetto
alertou que um dos entraves para a não aprovação da matéria seria
justamente Cunha. “Donato falou que o Sec. De Assuntos Juridicos tinha
ligado no Juridico da Casa Cívil (o Manssoneto foi o Juridico de Haddad
no Ministério da Educação). Disseram que o Problema era EC (Eduardo
Cunha)”, descreve uma das mensagens no celular de Leo Pinheiro. Segundo
consta em pesquisa da agenda da Secretaria de Justiça da Prefeitura de
São Paulo, Massonetto teve uma reunião com membros da OAS, em 28 de maio
de 2013. Justamente antes dessa mensagem disparada por Leo Pinheiro.
Outro
trecho da investigação indica que Cunha, além de Leo Pinheiro, também
trocava informações com Haddad sobre o projeto. “O próprio Eduardo Cunha
conversou com Fernando Haddad antes das alterações”, diz o inquérito.
Ou seja, para a PF, Haddad tinha exata noção do que estava sendo
discutido na Câmara. Em outra operação, a Catilinárias, os
investigadores apreenderam um computador em posse de Cunha no qual havia
um e-mail encaminhado para o endereço: claudia.510mederiso@gmail.com
com a seguinte mensagem: “depois de conversar com Hadda(d) fiz essas
alterações, passe a ele, abs”. No arquivo anexo ao e-mail, havia a
minuta do substitutivo apresentado por Eduardo Cunha à Câmara, que
depois veio a ser aprovado. Segundo relatório da PF, um detalhe que
corrobora a tese é uma outra troca de mensagens entre Leo Pinheiro e
Cunha no qual o executivo da OAS questiona: “Ainda hoje te mando o texto
que combinamos. A minuta do Fernando vc me manda”. Cunha, então
pergunta. “Qual Fernando”. A resposta é precisa: “Haddad”.
O interesse extremo e a participação de Haddad no processo levanta
dúvidas da PF e MPF. O problema, no caso, parece ser o caminho que cruza
Haddad, Léo Pinheiro e Eduardo Cunha. Ainda mais diante da informação
do MPF de que Cunha, ao lado de Henrique Eduardo Alves, teriam recebido
pelo menos R$ 4,6 milhões por meio de doações eleitorais como propina
pela sua atuação no Congresso, na qual se inclui a aprovação do PLC
238/2013. E de que a OAS recebeu R$ 173 milhões da Prefeitura de São
Paulo na gestão Haddad. Destes, R$ 89 milhões em 2014, ano subsequente à
aprovação do PLC. Como dizia Tom Jobim: o Brasil não é para amadores.
Leo Pinheiro pagou propina a Eduardo Cunha para agilizar renegociação da dívida de São Paulo que favorecia Haddad
Foto: Divulgação
Fonte : Isto É / Blog do BG
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