O juiz auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça, Fábio Ataíde, e o juiz de Execuções Penais da comarca de Nísia Floresta, Francisco Rocha Júnior,
receberam na manhã de ontem (30), na sede da CGJ, quatro
representantes do Comitê e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura – órgãos ligados ao Ministério da Justiça – que estão em missão
no Rio Grande do Norte para verificar as condições de funcionamento da
Penitenciária Estadual de Alcaçuz um ano após a maior rebelião e chacina
do sistema prisional potiguar, com a morte de pelos menos 26 presos.
Os peritos passaram toda a segunda-feira na Penitenciária de Alcaçuz e
no Presídio Rogério Madruga Coutinho colhendo depoimentos de presos,
funcionários, agentes penitenciários e da direção das unidades. nos dia ( 30 ) e (31) estarão reunidos com representantes do Judiciário, Ministério
Público Estadual e Federal, Defensoria Pública e Secretarias Estaduais
de Justiça e Cidadania e da Segurança Pública.
O objetivo é realizar o monitoramento das medidas adotadas pelas
instituições, tendo em vista as recomendações emitidas após a visita
realizada em março de 2017 pelo Mecanismo Nacional. À época, após as
vistorias, foi elaborado um relatório e emitidas recomendações para
diversos órgãos e instituições ligadas ao sistema penitenciário.
Um novo relatório será elaborado pela missão conjunta dentro de 30
dias. Além do RN, a equipe do Ministério da Justiça irá revisitar os
estados do Amazonas e Roraima, também palco de chacinas no ano passado.
De acordo com Luiz Gustavo Magnata, integrante do Mecanismo Nacional,
o Tribunal de Justiça é um órgão extremamente importante na prevenção
da tortura porque realiza a cogestão e fiscalização do trabalho
desempenhado pelo Poder Executivo.
Os magistrados do TJRN repassaram diversas medidas tomadas pela
Corregedoria e no âmbito da Vara de Execuções Penais de Nísia Floresta
para garantir uma melhor prestação jurisdicional aos apenados que se
encontram custodiados em Alcaçuz.
Foram elencados itens já implementados pelo Poder Judiciário do RN
como a designação de mais servidores para atuação em Nísia Floresta e
designação de um juiz específico para a Execução Penal na comarca; o
trabalho de digitalização e virtualização dos processos; a triagem de
processos, retificação de Guias de Execução Penal e concessão de
progressão de pena; a melhoria na estrutura para realização de
videoconferências; a implantação do Banco Nacional de Monitoramento de
Prisões; a designação de um juiz corregedor específico para atuar na
área penal; a ampliação das audiências de custódia.
Desaparecidos
Os peritos do Ministério da Justiça demonstraram preocupação com o
fato de que o Estado não identificou o paradeiro de presos desaparecidos
durante o massacre de Alcaçuz e que teriam supostamente fugido da
unidade. “Ainda existem pessoas desaparecidas, dentro de um contexto de
massacre, e não se investigou. Os presos não estão lá, mas não há uma
ação sobre isso. O Estado precisa ser responsabilizado, por sua ação ou
omissão, mas sequer investigou o paradeiro dessas pessoas”, afirmou o
perito Luiz Gustavo Magnata, integrante do Mecanismo Nacional.
Membro do Comitê Nacional, o conselheiro Acássio Souza ressaltou que
não há uma resposta oficial sobre os desaparecimentos. “O Estado nunca
nos informou se esses presos foram recapturados, se foram a óbito,
dentro ou fora do massacre” Ele destaca que é preciso haver uma
confirmação oficial, documentada, sobre o que ocorreu em Alcaçuz. “Esses
três episódios [Alcaçuz, Amazonas e Roraima] são sintomáticos e
emblemáticos da situação do sistema penitenciário no país”.
Tortura e rigidez
Os integrantes da missão conjunta
também criticaram a ausência de meios oficiais para que os presos possam
denunciar situações de tortura. “Estamos longe de identificar a tortura
porque não há como a denúncia sair daquele ambiente”, pontuou Gustavo
Magnata. A ausência de provas contundentes, a dificuldade para se obter
laudos periciais e confirmar versões testemunhais levaria a ausência de
punição a essa prática.
Outra crítica feita é ao suposto excesso de rigidez implantado,
informalmente, pelo novo procedimento operacional padrão em Alcaçuz.
“Quando a informação não é transparente, ela é violadora, porque não
pode ser fiscalizada, monitorada”, criticou o perito.
Segundo os integrantes do Mecanismo Nacional, os presos estão sendo
punidos sem direito à ampla defesa e contraditório, de forma não
documentada, pelas mínimas infrações. “Não se pode negar que essa é uma
situação muito ruim. Aquele ambiente parece controlado, mas manter esses
procedimentos por um ano só o tensionou, é uma bomba relógio”, disse
Magnata.
“Nós testemunhamos o grau de embrutecimento a que essas pessoas estão
sendo submetidas, o grau de tensão devido ao tratamento rígido dado. O
regramento fere de uma ponta a outra a Lei de Execuções Penais”,
criticou a perita do Mecanismo Nacional Deise Benedito.