A pergunta é: como explicar o comportamento de algumas pessoas que falam demais? Que não param de falar?
Bem, o primeiro ponto que devemos
entender é que, apesar do que pode parecer à princípio, não existe tanta
diferença entre o comportamento verbal e o comportamento verbal
encoberto ou privado. Em outras palavras, falar e pensar são
comportamentos semelhantes, a única diferença consistindo na
possibilidade de ser observado por uma ou mais pessoas.
Digo apesar disso porque temos a
tendência de considerar o pensamento como um algo a mais e não é incomum
encontrar explicações metafísicas ou transcendentais sobre o que
consiste o pensamento.
A fim de simplificar podemos observar
uma criança. Por exemplo, esses dias estava em uma viagem de ônibus e um
garotinho de cerca de 6 anos estava contando para a sua mãe (em alto e
bom som) sobre a diferença dos fonemas Ti e Di. Dizia ele que antes ele
não sabia dizer direito o ti e o di e assim confundia todas as palavras
que tinham o ti e o di. E como toda criança, ele estava fascinado com a
sua descoberta.
Por isso, ele dizia e dizia de novo até que sua mãe pediu para que ele parasse de falar ti e di.
Nesta simples observação do
comportamento verbal de uma criança podemos ver como o que a criança
pensa e diz é praticamente a mesma coisa. Ou seja, o que ela pensa ela
diz e o que ela diz ela está pensando em voz alta. Do mesmo modo quando
aprende a ler, a criança lê em voz alta e só com o tempo aprende a ler
para si mesma, “em voz baixa”.
A partir desta perspectiva, começamos a
notar que pensar e falar não são comportamentos tão diferentes. Uma
pessoa que fala pouco é, com certeza, uma pessoa que pensa muito. Pensa
mas não fala. E a pessoa que fala muito, pensa, enquanto fala.
Mas então o que explica a diferença de
uma pessoa hiper tímida e uma pessoa tão falante que chega a incomodar
os que estão perto?
Pelo que pude compreender até hoje em
meus estudos das diversas áreas da psicologia, existem 4 explicações
plausíveis para o comportamento verbal de pessoas que falam demais.
1) A cognição
Cognição aqui diz respeito à tudo o que
pensamos, principalmente através de imagens e através de sons. Quando
digo que uma pessoa que fala pouco, pensa muito, afirmo com total
convicção não porque tenha me sido dado o privilégio de ver a mente das
pessoas, mas sim porque podemos fazer diversos experimentos que
comprovarão a dificuldade das pessoas de ficar em silêncio.
Por exemplo, se passamos um exercício
simples de meditação, Yoga ou uma tarefa de concentração em um problema,
logo veremos que as pessoas vão relatar que a sua mente divaga, vai
para outros lugares, para o passado e para o futuro.
Se solicitarmos que a pessoa fique em
silêncio, ela vai depois nos contar que é praticamente impossível ficar
em silêncio – interno – por alguns minutos que seja.
Portanto, comprovamos que todas as
pessoas pensam muito. Alguns estudos apontam que temos cerca de 60.000
pensamentos todos dias…
Enfim, a explicação para uma pessoa que
fala demais e uma pessoa que fala de menos não deve ser buscada na
diferença de cognição. Afinal, ambas pensam também excessivamente.
Contudo, as pessoas que se dedicam a uma
vida introspectiva, religiosa ou espiritual, tendem a ser mais
silenciosas. Exemplo disso são os monges do Oriente e, mais perto de
nós, alguns padres através dos quais notamos um tom de voz calmo e
tranquilo – o que é reflexo do seu estilo de vida e de seu pensamento.H
Assim, embora a maioria das pessoas
provavelmente vai ter uma cognição a mil, algumas outras que buscam um
estilo de vida diferente, tentam e acabam por conseguir silenciar o seu
fluxo mental.
2) A motivação e o afeto
Embora tenhamos que diferenciar
teoricamente entre motivação e afeto, vamos colocar os dois conceitos
unidos aqui por uma questão de brevidade.
Uma pessoa que era até o mês passado uma
pessoa falante, mas que simplesmente parou de falar e responde
monossilabicamente apresenta uma mudança comportamental digna de nota.
Ela pode estar, por exemplo, passando por um quadro de depressão.
A mudança no afeto e na motivação,
típicas da depressão e de outros transtornos mentais, explica a mudança
de comportamento, de falar muito para falar quase nada. Na direção
oposta encontram-se os estados maníacos e hipomaníacos nos quais o
paciente que falava com uma frequência normal passava a falar sem parar.
Evidente que não temos que falar em
transtornos mentais para mostrar que uma diferença no estado emocional
vai afetar o comportamento verbal. Para além das nosologias, temos os
dias em que estamos mais animados e falamos mais e os dias em que
estamos mais desanimados e falamos menos.
3) O ambiente
De acordo com a psicologia
comportamental, o comportamento verbal é um comportamento como outro
qualquer e deve ser entendido a partir do que acontece antes e do que
acontece depois como todo e qualquer outro comportamento.
Por exemplo, uma pessoa está quieta. Se
lhe perguntamos que horas são, isto será o antes do comportamento que,
por sua vez, vai aumentar a probabilidade de a pessoa responder “-
agora é meio-dia”. O que vem depois – “obrigado” – também afetará a
tendência futura de a pessoa responder a uma pergunta.
Uma cena real que aconteceu com uma
amiga foi como segue. Ela chegou em um ponto de ônibus e perguntou para
uma mulher que estava ali: – “Você sabe se o ônibus do Carioca já
passou?” E a mulher respondeu: “E eu sou obrigada a te responder?”
Esta cena, da qual rimos muito depois,
espantou a nossa amiga. Afinal, a mulher foi muito mal educada. A
questão é que a tendência de nossa amiga de perguntar se um ônibus
passou ou não tenderá a diminuir no futuro, pois a consequência que
obteve (a resposta da mulher) foi aversiva.
Exemplos assim também acontecem no
dia-a-dia, entre amigos e familiares. E com consequências agradáveis e
desagradáveis, vamos descobrindo o que falar e com quem falar. Assim, falamos de futebol com quem gosta de futebol e de astrofísica com quem é fascinado pelo assunto…
De modo que quem fala demais ou não teve
experiências externas aversivas ou não deu importância a elas. Um
exemplo contrário é o caso do mutismo seletivo, diagnosticado no DSM-IV.
4) O cérebro e o corpo
Uma outra alternativa para explicar o
comportamento verbal excessivo é o funcionamento do cérebro e do corpo.
Se você ingerir uma substância como álcool, a química da substância irá
interferir no seu cérebro, e, com isso, haverá a tendência maior de
falar mais.
Casos extremos de traumatismos
cranianos, de derrames ou do uso de drogas mais fortes (como chá de
cogumelo) também comprovam que a alteração na fisiologia cerebral
afetará diretamente a fala.
Um fenômeno pouco conhecido mas que
igualmente tem efeitos é a modificação da postura corporal e musculatura
que envolve a fala. A liberação do que Reich chamou de couraça do
caráter – na boca e na garganta – também pode fazer com que uma pessoa
quieta se transforme instantaneamente em uma pessoa falante.
Já dei o exemplo aqui de uma pessoa que
foi ao dentista e, depois de receber mais anestesia do que o necessário,
sentiu a sua boca solta (esta foi a sua descrição). E com a boca solta
começou a falar tudo o que tinha guardado durante os últimos 30 anos.
Conclusão
Portanto, penso que podemos concluir que
existem diversos motivos que explicam o fato de uma pessoa falar
demais. É importante nos lembrarmos que qualquer pessoa que encontrarmos
pensará demais. Entretanto, devido à criação, circunstâncias,
postura corporal e motivações e afetos, o comportamento variará do
silêncio à fala ininterrupta.
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